A ARTE DE INTERPRETAR E TRADUZIR
Como Traduzir???
Um dos erros mais comuns é pensar que o correto seria proceder à
tradução palavra por palavra. Os defensores dessa idéia argumentam que o texto
traduzido (ou seja: o texto em língua de chegada) deve ser “fiel” ao texto original
(ou seja: o texto em língua de partida). Essa teoria, porém, não é mais aceita,
pois hoje se entende que a “fidelidade” da tradução está
mais associada à reprodução dos mesmos efeitos do que à escolha das mesmas
palavras. Ou seja: não mantém, na língua de chegada, a equivalência daquilo que a mensagem
representa na língua de partida. Isso ocorre porque, para traduzir, além de
conhecer o idioma, devemos conhecer a cultura dos povos envolvidos. É uma
ilusão acreditar que apenas com dicionários poderemos traduzir tudo! Muitas
pessoas pensam que com o tradutor do Google e outros softwares elas irão
traduzir qualquer texto para qualquer idioma. As máquinas não entendem a
cultura, portanto elas podem até ajudar, mas nunca substituirão o homem nessa árdua
tarefa que é traduzir. Especialmente os textos literários, as piadas, os
provérbios, as expressões idiomáticas e tudo aquilo que envolva diretamente a
cultura dos povos precisará do cérebro humano (de um tradutor bem formado) para
ser corretamente traduzido. Sem falar nas palavras polissêmicas!
As palavras polissêmicas são aquelas que têm mais de um sentido. O
intérprete deve, então, fazer uma análise do contexto do enunciado para
compreender em qual dos sentidos possíveis a palavra está sendo empregada.
Libras também têm palavras polissêmicas. O exemplo de “sábado” e “laranja”, que
são representadas com o mesmo sinal.
Só o contexto dirá qual dos dois sentidos a palavra irá assumir.
Porque a língua
não é estanque, ela evolui junto com a sociedade, inovando e renovando
expressões, criando gírias, fazendo trocadilhos, etc. Pense nas expressões
idiomáticas! Independente da língua com a qual você estiver trabalhando, você
certamente não traduziria “ao pé da letra”.
Por exemplo:
você, certamente, deve conhecer a expressão “chover canivetes”, que usamos no
Brasil quando está chovendo forte demais. O equivalente a ela, em francês, é
“il pleuve des cordes” (chover cordas) e, em inglês, “it´s raining cats and
dogs” (chover gatos e cachorros).
Portanto, o bom
tradutor do inglês para o português é aquele que compreende que a
melhor tradução
para “it´s raining cats and dogs” não é “está chovendo gatos e cachorros”, mas,
isto sim, “está chovendo canivetes”, pois essa é a expressão que melhor
reproduz, na língua de chegada, os efeitos da mensagem em língua de partida.
Uma tradução fiel
é, portanto, aquela que mais se aproxima da mensagem do texto original. Só que,
às vezes, para ficar “próximo” do texto que quer traduzir, o tradutor precisa afastar-se
dele. Mas deve fazê-lo apenas e unicamente na medida exata para reproduzir na
língua de chegada a mesma mensagem da língua de partida. Rimar Ramalho Segala em seu trabalho:
A língua de chegada (Libras) deve ser clara e moderna, e utilizar os
sinais mais comuns aos
surdos usuários de Libras, não seguindo a estrutura da Língua
Portuguesa, nunca traduzindo
literalmente palavras por sinais, obedecendo a ordem dos parágrafos sem
a necessidade de
se preocupar com virgulação, e sendo fiel ao sentido dos textos escritos,
a mensagem, para
Libras, principalmente para que os usuários de Libras entendam.(2010, p.
32).
A tradução
palavra por palavra (ou, neste caso, tradução literal de palavra por sinal) é
um erro comum e bastante grave, que pode inviabilizar a compreensão da
mensagem.
O tradutor deve
recordar que as palavras por si só não transmitem significados que não tenham
raízes na experiência do sujeito, e que, às vezes, elas assumem sentidos
diferenciados numa cultura e na outra. Às vezes, é necessário destruir a
palavra para manter o sentido. E, para conhecer o sentido, é fundamental
conhecer a cultura.
Portanto, quem
não conhece profundamente a cultura surda brasileira não pode ser considerado bom
tradutor de ou para Libras. Pois língua não pode ser dissociada de cultura, e quem
não conhece a cultura jamais entenderá por completo a língua.
Assim, e porque,
como já afirmamos, a boa tradução, no caso da oração em Libras, é aquela que “traz” a
mensagem da língua de partida (no nosso caso, o português) para a língua de chegada
(Libras), que acomoda o texto de chegada conforme a cultura da comunidade
receptora, podemos dizer que a boa tradução para Libras e aquela essencialmente
“domesticadora” (usando as palavras de um teórico chamado Lawrence Venutti).
A tradução
domesticadora é aquela que (nas palavras de outro teórico, chamado Friedrich Schleiermacher)
“deixa o leitor quieto e traz o autor ate ele”. Nesse caso, o texto a ser
traduzido vai ao encontro do leitor e o abraça na sua própria língua e cultura.
(Friedrich)
No caminho
inverso, está a tradução estrangeirizadora, aquela que (ainda nas palavras de Schleiermacher)
“deixa o autor quieto e traz o leitor ate ele”. Esse tipo de tradução coloca o
leitor na obrigação de “entrar” no mundo, na língua e na cultura do escritor
para poder compreende-lo.
A maior parte dos
teóricos afirma que é a tradução estrangeirizadora a mais adequada. Para eles, o
contato com uma cultura diferente, que emprega palavras diferentes e tem
estilos novos de escrita é uma excelente forma de enriquecer o idioma e a
cultura do povo da língua de chegada. Mas isso, em nossa opinião, apenas deve
ser levado em conta na cultura oralizada.
Quando estamos
referindo a tradução para Libras e a comunidade surda, que tanto sofreu com a perspectiva do
“oralismo” (que rejeitava
a comunicação em Libras,
defendendo a idéia de que eram os surdos que deveriam se
adaptar às regras da língua portuguesa), parece-nos que a tendência
domesticadora (qual seja, a preocupação em levar a mensagem até o surdo, em vez
de obrigá-lo a lutar para compreendê-la em português) é uma grande conquista.
Exemplos de
histórias infantis domesticadas para crianças surdas: Rapunzel surda e Cinderela surda.
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